Quatro poemas de Matheus Guménin Barreto – Revista Littera7 – 4.2023

(Fonte: https://littera7.com/quatro-poemas-matheus-gumenin-barreto/ )

april 2008

Obra de Kazimir Malevitch (1878-1935)

 

Matheus Guménin Barreto

 

Aquilo que me sou não me é nunca.

Pensando o que serei no escasso espaço

de mim, não sei se penso e sou aquilo

ou se, pensando, passa o tempo e passo

 

– se passo e já não sou o que pensara,

nem o que penso agora e que já passa.

Não sei se algum momento embosco aquele

que busco ou se descubro-me sua caça.

 

***

 

Cuiabá

 

Perder a cidade na campina inexata

da memória.

 

Perder a cidade, os gestos de tios, os doces das avós,

                         a gritaria dos miúdos perder,

                         perder o cumprimento do

                         vizinho no mercado,

perder uma cidade e com ela uma infância,

                         a juventude, a vida adulta.

Perder um lugar que perde em si outros lugares,

perder o calor brando de um quarto azul,

perder uma cidade em cada um que parte,

em cada um que, em parte, mata

quando morre.

 

Perder inapelavelmente uma cidade,

mas pisá-la.

 

***

 

Tempo

 

Aquilo que possuo e me possui,

e que, se cerco, ergue cercos outros

em torno aos muros fracos, muros poucos,

que ergui; aquilo que constrói e rui

meu corpo; que já traz numa só mão

meu corpo e aquela morte que é a sua

(se cada corpo nasce já com uma),

meu corpo e aqueles beijos que serão

os seus (se morre sempre sem dar todos);

aquilo, ainda, que me tira tudo

e tudo dá a mim; o que procuro,

mas que me encontra sempre e eu não encontro.

Aquilo, enfim, que dá-me o amor de um homem

de pau em riste – e nos apaga os nomes.

 

***

 

Domingo de praia

 

Praia de Naufragados

Para Caio Augusto Leite, Luiza Melo e Marcelo Labes

 

                         (O sol, ele afia

                         o limpo do dia

                         na água do mar).

 

Os olhos forçando

passagem na lâmi-

na clara do dia

(escuros os ócu-

los), dedos crispando

protegem os olhos,

agarram-se à noite

que há muito escapou.

Debaixo do dia

há o fresco de um tempo

(famílias no ôni-

bus, óculos, cremes,

cachorros que dormem

no colo da moça,

uns risos, uns gritos

cheirando a domingo,

o ronco do ôni-

bus, outro da velha

que dorme no fundo,

a rádio que toca

ninguém sabe donde),

debaixo do dia

há o fresco de um tempo

que, nem já memória,

promete-se e esgarça,

promete-se e escapa

do olho que o vê

                         (juventude à sombra,

                         juventude azul).

 

A tarde adiante

ainda nem vinda

já morre esbatida

no muro do cais.

 

                                                 (Mas, morta a promessa,

                                                 a noite a refaz).


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