Resenha de “A máquina de carregar nadas” – Lorenzo Falcão – 25.2.2018

*por Lorenzo Falcão.

(Fonte: http://www.tyrannusmelancholicus.com.br/conteudo.php?sid=311&cid=10531 )

25 de fevereiro de 2018

 

Quando leio ou assisto ficção tem um troço que me conquista. Se o autor do livro ou o diretor do filme me deixam assim meio à deriva, sinto que estou no caminho certo para gostar daquilo que experimento. (Claro que… porra-louquices à parte). É um pouco como se eu não entender, devo gostar. Mas não estou aqui pra falar disso.

Meu alvo é a poesia. Especificamente a do jovem cuiabano Matheus Guménin Barreto, nascido em 1992. Recebi seu livro “a máquina de carregar nadas” (7 letras) já tem um tempinho e precisava resenhar a obra. Já desconfiava que isso iria acontecer, mesmo sem conhecer bem o poeta.

O autor tem ou vai fazer 26 anos e, através da sua diversidade poética que ando experimentando, confirmo algo que sempre defendi. A erudição nunca é demais para um artista das letras. E nem para os criadores das outras artes. Só é necessário que eles não fiquem apenas trancafiados na seara acadêmica. O que é preciso e fundamental é não empoleirar-se na erudição, mas sim, descobrir um jeito de compartilhá-la com simplicidade. Ou não.

Correr trecho pelos sons e ruídos urbanos, brindar com a boemia intelectual, chafurdar-se pelo cadinho da dor da inquietação, enfim, são coisas que têm serventia para temperar a erudição. Matheus já mostra o domínio para estacionar palavras (poesia). Milita nos campos da tradução da língua germânica (uau); e essa coisarada toda reverbera na sua “máquina…”.

 

mat

 

Dizer que esse livro/máquina nada carrega e assim nominá-lo, acredito, faz parte de uma espécie de dessacralização da poesia. Ora, pois… Para quê dar tratamento sagrado ao verso, se vivenciamos uma contemporaneidade, na qual, aquilo que deveria ser a essência do sacrossanto – a religião, se torna território gerador de intolerâncias, quando não, de ódio. E depois, certamente, sacralizar, tem a ver com cercear a liberdade (que merda).

Comecei a ler seu livro bastante aleatoriamente e fui percebendo que ele pratica o calvário do bom poeta. Apropria-se dos mais variados temas e os explora com sagacidade e coerência, embora, nada contra a incoerência, de minha parte. Para obter o que há de melhor em sua poesia, não requer erudição ao leitor. Mas, se assim o for, mais e melhores resultados os versos de Guménin vão provocar sobre as retinas, por mais fatigadas que elas sejam.

Após ter dado conta de praticamente todos os poemas (seria melhor dizer páginas, talvez) dessa “máquina…” que finge carregar nadas, finalmente, dei uma “orelhada”. Li o que escreveu sobre a obra o Bruno Rosa e… pasmei. Acho que deve me faltar alguma experiência acadêmica, talvez, a tal da literatura comparada. Bruno associa o fazer poético de Barreto, em diferentes etapas, com Drummond, Cabral, Gullar. Não duvido que certo esteja o autor da orelha.

Mas, me veio à lembrança, um comentário do velho Ricardo Dicke, a respeito do meu livro de contos, “Motel Sorriso”. Disse ele que percebeu em meus contos semelhanças a Machado, Joyce e até Guimarães Rosa. Quando ouvi isso fiquei felicíssimo, porém, ele fez o que devia: cortou o meu barato: “Não, Lorenzo… você deve procurar o seu próprio caminho e encontrar seu estilo”.

 

mat

 

O conselho do Dicke, serve, pois, para o Matheus. Não que ele esteja na beira desses autores citados na orelha, e já confessei que não percebi isso. É importante que o jovem poeta cuiabano reflita sobre tais possibilidades e aposte na sua liberdade criativa, que ele seja ousado e desbunde, que ele se provoque nesse sentido. Estou, agorinha mesmo, a duvidar que ele não vá além numa próxima publicação. Algo que venha a “fechar” com a cara de todos nós, poetas cuiabanos, que precisamos também dessa provocação.

Matheus, acredito, pela pouca idade (nasceu em 1992), e também pela qualidade da sua poesia, me parece uma das melhores novidades na literatura produzida por um mato-grossense, seja de nascença ou por adoção, neste ainda começo de século.

Paris

E pouco antes de fechar este texto, eis que descubro em meu mail, a informação de que ele está arrumando as malas rumo a Paris onde, a partir de 14 de março, participa do evento Printemps Littéraire Brésilien (Primavera Literária Brasileira) organizado pela Universidade Sorbonne e levado à França, à Bélgica, à Alemanha, a Luxemburgo e aos Estudos Unidos.

O poeta cuiabano compõe um seleto grupo de escritores ao lado de nomes como Adriana Calcanhotto, Adelaide Ivánova, Julián Fuks, Aline Bei, Caio Augusto Leite, Carola Saavedra, Natalia Borges Polesso, entre outros.

 

mat

 

 

 

O poema na voz do poeta – Matheus Guménin Barreto – Literatura & Fechadura – 4.3.2018

(Fonte: http://www.literaturaefechadura.com.br/2018/03/04/o-poema-na-voz-do-poeta-matheus-gumenin-barreto/ )

Vídeo no link acima.

 

PRIMEIRO

O toque mesmo nas coisas
para lembrar as mãos da
arquitetura limpa daquilo
que o mundo gestou.

A mão limpa, cartesiana, reta
pelas coisas
para tirar o pó sobre os nomes

sol, xícara, casca, ladrilho, pêssego, miséria

e tocar outra vez
como no Dia Primeiro
algo dos nomes
que vibre.