Mês: abril 2018
“Um corpo incendiado: este” – Revista Escamandro – 12.3.2018
(Fonte: https://escamandro.wordpress.com/2018/03/12/matheus-gumenin-barreto/ )
o amado que toca os pulsos mornos
de seu amado f – Um corpo incendiado: este
e o braço e as mãos
tremulargênteas
e o rosto toca e o sexo
quente e afiado
o amado que toca os pulsos mornos
de seu amado
e sabe de repente o que é um ensolarado riso e
a noite antiquíssima que o olha
de volta.
*
o sexo
devir perpétuo: tempo enclausurado
o amado e seu amado inventam o tempo,
o corpo e a febre
e o que medi-los
*
o mapa do corpo sob as mãos
desenhando itinerários bruscos
mornos
contornando bocas que não existem, mas que existirão
pés que não andaram, mas andarão
sexos que não se apontaram
mas que se apontam, agudos, sob o toque
devagar
como o encontro
de um trópico último com um último meridiano
os olhos nublados de algo que não se adivinha
o homem tem o homem nas mãos
e as mãos seguem seu cego itinerário provisório
apagado sempre pelo toque próximo e sombra e esquecimento –
apagado como a praia e o vento que a inaugura.
*
pulsos frescos de amor
alegres do arrear o amor e serem
por ele arreados.
*
a cegueira do homem que de seu corpo morno
soletra o corpo morno d’outro homem
os sinais as vírgulas
discursa entre duas bocas
e recita, extático e nu, a abrasada
violenta
poesia
que o corpo maquina na carne.
*
no beijo
o que há de elástico o que há de contrito
de adivinhado
o que há de inaudito talvez ou
quase ou sempre
entre o dizer de bocas mudas?
talvez tremeluza nos céus seus
mornos
a estrela da manhã
branda e inconstante
e nela se solucione um homem
como uma noite se soluciona em dia.
*
descobrir as palavras eu te amo
pesar na mão cada uma, medir
sua massa numa mão
n’outra
articular a língua os lábios dentes como
pela primeira vez
um homem o fez
um homem o fez a outro homem
testar o que abarca cada letra, o que deixa, o que fala
testar cada som e sombra que acaso fique
nas arestas do a, do e
descobrir as palavras eu te amo
e a violência que é usá-las.
10 poemas de ‘A máquina de carregar nadas” – Musa Rara – 31.1.2018
(Fonte: http://www.musarara.com.br/o-dorso-arrebentado-de-sol )
PRIMEIRO
O toque mesmo nas coisas
para lembrar as mãos da
arquitetura limpa daquilo
que o mundo gestou.
A mão limpa, cartesiana, reta
pelas coisas
para tirar o pó sobre os nomes
sol, xícara, casca, ladrilho, pêssego, miséria
e tocar outra vez
como no Dia Primeiro
algo dos nomes
que vibre.
*
MANHÃ
a –
Notícias da manhã
informam que o tempo, de
……………………………fato, passou,
e que a noite foi só uma
de fato.
b –
O dorso arrebentado do sol,
surge o dia.
c –
A manhã ruge
nos dentes das árvores.
*
CANTO DE DISSOLUÇÃO
Sepultadas no tempo
deitam-se as coisas todas,
que já nem coisas são,
mas memória de coisas.
Sepultados no tempo
afundam-se os rostos
todos, ou quase todos,
e as datas, risos, gostos.
Sepultadas no tempo
jazem as nossas vidas,
num tempo em que não são
nem gozo nem ferida.
Sepultados, enfim,
no tempo, todos nós.
Onde não há nem feito,
nem pessoa, nem voz.
*
CANTO APAZIGUADO
O que sobra das mãos são as sombras de gestos
que, já feitos, nos jazem nas mãos sepultados.
O que sobra de olhares: o breve relance
que, de breve, se perde entre o feito e o lembrado.
O que resta de risos são luzes de dentes
entrevistos por entre a cortina do lábio.
O que resta da vida é a vida que fica
e ficando é que parte ao eterno adiado.
*
说
“Dedicado a Wlademir Dias-Pino”
e surpreender-se
de
falar
se a gar-
ganta
já se
intui
inútil
quem quem quem
Deus
quem tem coragem de
de abrir
a boca
para ouvir outra coisa que o silêncio
para ouvir coisa que
o silêncio diz
……………………………………….[melhor
quem tem coragem
de
falar
sabendo sabendo
que a fala morre
antes de
passar
do porto
da língua
quem pode quem se lança a
quem tem coragem
de
falar
sabendo que a fala
resvala
e cai na quina do quarto
sem som
quem quem quem
quem
tem coragem de falar
e de ouvir o que
diz
quem então tem coragem
de
falar
quando vê, sabe, escuta
pressente
que o que se sente
não há onde se assente
no ouvido do outro
quem tem
coragem
de
falar
quando a fala
sabe
que sua única voz
verdadeira
é quando cala
*
POEMA AMARELO
a faca tem de ser eloquente
e falar sabendo o porquê
e falar o discurso de chaga
ferida
na carne que a faca lê
*
POEMA DO AMADO PARA SEU AMADO
“Penteei-me para o rei
Mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo”
– Ana Paula Tavares, Manual para amantes desesperados, 2007.
a)
os dentes
teus amanhecem quando me veem
e compreendo
o inerte ofício das pedras
– plenas completas alegres.
b)
a voz amanhece na tua boca
ilumina: da garganta
ruminando o que não fora dito,
inaudito, e o que se ficou por dizer
pois
a voz amanhece na tua boca
e o contorno do sol posto
fica pregado
fica pregado
nas pálpebras
fechadas de pôr do sol
c)
e tua boca anoitece
quando o silêncio pousa e faz ninho nos teus lábios
até que
então nasce outra vez
o sol
da tua garganta áspera
raia outra vez, já à espera paciente
da hora de se pôr
flor
que anoitece
– e o eclipse do corpo meu
é violento
*
POEMA EXTREMO
Pega na mão a pedra
pega na mão a cadeira
pega na mão o pão
mesa escada copo d’água
pega
puxa pro lado
…………………..e descobre ali
a poesia.
*
INÚTIL
Inútil
inútil o gesto o plexo o beijo
inútil o desejo e o não-desejo
………………..[igualmente
Inútil inútil o salto e a pausa
Inútil a mão no ombro alheio
………………………[e próprio
Inútil soberanamente inútil
o gesto o plexo o beijo
nas campinas afiadas de verde
nas geometrias escuras da mente
e essa vontade de amar.
.
[Todos os poemas acima são do livro A máquina de carregar nadas.]
“:projeto: :províncias: entrevista Matheus Guménin Barreto” – 28.2.2018
Entrevista por Gustavo Matte e Marcelo Labes.