(Fonte: https://oficinairritadarevista.blogspot.com/2018/12/poemas-em-torno-do-chao-um-poema.html )
O primeiro poema abaixo é inédito em livro, os demais estão no volume recém-lançado Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (Carlini & Caniato, 2018).
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[SEM TÍTULO]
arder a vida em palavras
medidas sombra por
sombra
duma mão noutra arder a vida
na geografia incerta da boca
que arde um instante e desce à terra.
arder a vida nos ecos
e nos corpos ora nacarados ora suados do
discurso que o lábio promete
nem sempre cumpre
e quando cumpre é sempre quase.
equidistante do fim e do início arder a vida
enquanto o corpo se desfaz devagar
com carinho quase
mas resoluto.
arder do verbo absoluto à procura
o verbo na sarça que se queima magnífico
e não existe.
arder a vida pruma bosta qualquer
que mal nasce já não existe ::
– arder a vida à procura dum sol pousado na mesa
dum dia de justiça entre irmãos
e descer à terra ciente – mas contente, resoluto –
de nada ter nas mãos.
*
5. PALMONES, 18XX
a)
cansados talvez os seus olhos
destas palmeiras
cansados
destas paredes brancas nuas gastas
de igreja cansados talvez os seus olhos
de ruminarem sobre os
lampejos de mar e
do labor seu de olhar a Ceuta no horizonte
próxima e distante
cansados talvez tenham se cansado os olhos seus
dos adeuses do mar sobre a areia
– que volta sempre, arrependido.
27-3-2017
*
6. OLEAJE
muro branco
onde os adeuses do mar se recolhem junto à sombra,
salgados e frescos.
27-3-2017
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CUIABÁ/CHAPADA DOS GUIMARÃES
O vento professa à rocha
suas aulas do desfazer-se
de tudo no tempo. O vento
arranca, da rocha, a areia:
de grão em grão faz escola:
a rocha, no ensinamento,
é aluna: na lição dura
de nada durar no tempo.
Os rubros montes de areia
– Chapada dos Guimarães
em torno de Cuiabá –
aprendem suas lições.
Os montes de forma fraca
desfazem-se ante um ditado
do vento: de que o que o homem
ergueu, o que ele escancara,
esconde e derruba o tempo:
que aquilo que o braço monta
o sopro derrubará:
que aquilo que o sonho encontra
e o homem faz realidade
o tempo outra vez o acha
e torna outra vez em sonho
que ninguém mais sonhará.
Paciente labor do vento,
irmão mais novo do tempo,
que esculpe Chapada grão
por grão: apesar de lento,
certeiro é no seu trabalho:
que é muito apesar de pouco,
que é grande mesmo pequeno,
que é muitos trabalhos poucos.
Os montes têm nessa escola
lição de se desfazer:
que o pouco que faz o homem,
que o muito que o homem vê
apaga-se sobre a pedra
do tempo em geometrias
secretas ao despencar:
desfaz qual desfeito é um dia
na barra vermelho-roxa
da tarde, em seu é-não-é.
Aquilo que o homem faz,
aquilo que o homem vê,
aquilo que o homem cala,
aquilo que o homem diz,
aquilo que o homem prende
aquilo que o homem quis
aprende a lição que aprende
o monte, ao se desfazer.
O monte rubro-laranja:
quando ele iria dizer
do tempo o grande segredo,
a resposta que se espera —
despenca em areia branda
pra lá do que já não é.
O vento professa à rocha
suas aulas do desfazer-se
de tudo no tempo. O vento,
de régua em mãos, instrui: tempo.
27/06/2017
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B – O SEXO DOS DOIS HOMENS
Na fresco-gruta
(refúgio)
concha do não mar fechada à luz despudorada
dois homens maquinam o presente
no corpo um do
outro
agudo o tempo presente
agudo e branco e musgoso e
então calma e nada –
ah — ir e vir da onda do mar
onda dum mar inexistente
por isso mais mar.
dois homens maquinaram o presente
(na baía um d’outro o maquinaram)
e não sabem agora onde pô-lo,
ariscos.
lá fora no céu rumina o boi um presente outro
comum e outro
alheio à maquinação do amor.
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[SEM TÍTULO]
Aquilo que me sou não me é nunca.
Pensando o que serei no escasso espaço
de mim, não sei se penso e sou aquilo
ou se, pensando, passa o tempo e passo
– se passo e já não sou o que pensara,
nem o que penso agora e que já passa.
Não sei se algum momento embosco aquele
que vejo ou se descubro-me sua caça.
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Matheus Guménin Barreto (1992, Cuiabá) é poeta e tradutor mato-grossense. Doutorando da Universidade de São Paulo (USP) na área de Língua e Literatura Alemãs, estudou também na Universidade de Heidelberg. Publicou traduções de Bertolt Brecht e Ingeborg Bachmann. Encontram-se poemas seus no Brasil e em Portugal, e integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 na França e na Bélgica a convite da Universidade Sorbonne. É autor dos livros de poemas A máquina de carregar nadas (7Letras, 2017) e Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (Carlini & Caniato, 2018).